O antigo conto das ervilhas no palito japonês
Uma vez, nos tempos antigos, fui convidado por almoçar por uma de minhas colega de trabalho. Vendo isso, outro colega me puxa de lado no corredor e murmura, em tom de alerta: “Olha, essa aí nos chama às vezes para almoçar, mas cuidado com ela.” E continua:
“À mesa, de repente ela começa a comer bem devagar, mas bem devagar mesmo, para mostrar educação. Se você almoçar normalmente, vai ficar meia hora com o prato vazio na sua frente, vendo ela comer sua frente devagarinho, prendendo você à mesa para ouvir todos os jargões corporativos que ela conhece, com ar de superioridade, como se ela fosse uma executiva internacional e você, um grosseirão ignorante qualquer.”
Nada como ter amigos e estratégia. Agradeci e saí disfarçadamente por alguns minutos, para pegar algo rápido para comer e matar a fome, que na verdade, naquele dia, não era tanto assim. Peguei meu jogo de hashis, aqueles pauzinhos japoneses, que sempre guardo em minhas gavetas e os esfreguei um contra o outro, como um par de facas assassinas. Agora estava preparado para o confronto.
No bufê do quilo, escolhi cuidadosamente os ingredientes de meu ataque, incluindo uma colher bem cheia de ervilhas. De repente, larguei garfo e faca, saquei meus hashis e comecei a pegar as ervilhas uma a uma enquanto conversava, comendo-as com ar de despreocupação e falando coisas que, na verdade, não significavam muita coisa.
E quando digo uma a uma, pode acreditar, que é uma a uma mesmo.
Embora não nativo, sou bom nisso.
“Agora você vai engolir essa prepotência toda moça, vai ter de mastigar isso até babar pelo canto da boca.”
E, olha, foi quase isso.
Ela foi reduzindo seu ritmo de mastigação já lento, sem poder responder às minhas perguntas e sem saber o que falar, atrapalhada com comida na boca, com a mudança imprevista em seu bem treinado ritmo de deglutição, sem contar, é claro, assombrada com minha excepcional destreza no uso dos hashis. Nem conseguia falar direito.
Pois é, no almoço, cada um se delicia como pode e como quer.
Mas essa é uma história de antigamente, talvez hoje, mais experiente e sábio, nem passaria pela minha cabeça fazer isso.
Talvez.
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