Eu quero manteiga!

Estava eu meio distraído no supermercado, e de repente um homem de aparência remediada e alguns dentes a menos olhou para mim e, perguntou, com um pouco de rudeza na voz:

“Eu quero manteiga, isso é manteiga?” e esticou o braço em minha direção, com uma pequena embalagem na mão. Estava NATA escrito no rótulo, em letras grandes.

Ele não me pareceu ameaça: “Não amigo, isso é nata.”

“Não! Manteiga! Eu só quero manteiga!”, rugiu roucamente, com fúria no rosto e levantando os braços, como que clamando aos céus para não ser mal compreendido.

“Manteiga!!!”

Percorri o corredor com o olhar e apontei a manteiga. Olhando para mim com suspeita, como o pistoleiro mau de um filme de faroeste ruim, deu dois passos para onde apontei, parou, abaixou e pegou um pote de margarina na prateleira. E riu: “Ah, tem margarina...”

Parou e sorriu e perguntou, agora com a voz mais tranquila: “Onde tem molho de tomate?”

Sorri também: “Lá atrás, no corredor do macarrão”

E ele acenou, agora amistoso: “Ah, obrigado, viu? Boa noite!”. Virou as costas e foi embora.

A harmonia voltou ao corredor dos laticínios, e eu fiquei, como sempre, achando que havia acontecido alguma coisa que eu realmente havia deixado de entender. Alguns têm visões de anjos impávidos ou fogueiras flutuantes; eu estou começando a perceber que minhas revelações vêm a mim às vezes através de gente que não bate lá muito bem.

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