Polidez e desfaçatez

Estava eu na fila do caixa, esperando a pessoa à minha frente pagar as suas compras, quando surge um homem com apenas um item, perguntando polidamente se eu faria o favor de deixá-lo passar no caixa antes de mim. Sugeri, também polidamente, que ele tentasse os caixas destinados às pessoas com poucos volumes, cujas filas que tinham entre duas e três pessoas. Tudo muito polido.

Talvez vocês pensem que eu estivesse deliberadamente querendo ser antipático ou dar algum tipo de lição de moral em alguém obviamente criado nos tempos que o brasileiro tinha de levar vantagem em tudo, mas tive meus motivos para essa recusa. Em primeiro lugar, ele só queria passar na minha frente por querer, sem nenhum motivo de urgência ou emergência. Depois, eu também não tinha tantos volumes assim; para falar a verdade, depois disso tomei apenas uns três ou quatro minutos da caixa. Podia-se muito bem esperar.

Além disso, com a automação comercial e os códigos de barras, as caixas podem calcular rapidamente o total de compras com grandes quantidades de produtos; dessa forma, o tempo que cada cliente demora no caixa agora depende menos da quantidade de volumes que de outros fatores. Por exemplo, da última vez que deixei alguém passar na minha frente com apenas um produto, tivemos de esperar um bom tempo até que o fiscal do caixa viesse com o troco, o que também aconteceu quando uma senhora descobriu ao pagar não conseguir lembrar a senha de seu cartão de débito. Acho que por isso as filas “rápidas” nem sempre são tão rápidas assim.

Bom, o rosto do tal homem se encheu de indignação e ele começou a repetir, em tom irritado: “Ah, muito obrigado! Muito obrigado! Muito obrigado!” E se afastou, em fúria. Para falar a verdade, nem dei bola. Mas o Mr. Hyde linguista em mim já havia sido despertado - mais uma vez.

Para início de conversa, algumas pessoas acham que usando expressões de polidez como o “por favor” ou usando estratégicas retóricas tais como relacionar o seu pedido a algum tipo de causa nobre, por exemplo, podem pedir o que lhes vier à cabeça, independentemente do custo ou esforço que isso imponha à outra pessoa. Além de imputar a essa outra pessoa, caso essa ordem não tenha sido cumprida, uma imagem de pessoa rude e mal-educada, por não fazer algo pedido de maneira assim tão polida. Vamos concordar que isso não é nada decente.

Com relação ao caso que lhes contei acima, penso que se alguém lhe pede um favor, você pode concedê-lo ou não. Se você não o concede e a pessoa tenta de alguma forma lhe punir, ela na verdade não havia lhe pedido um favor, e sim querido lhe dado uma ordem, tenha lá sido qual for a estratégia linguística utilizada. Como moral da história fica que a educação não está nas expressões de polidez, mas no que você quer que a outra pessoa faça. Se justo e razoável, você conseguirá o que quer. Aí sim, com a liberdade de usar as estratégias linguísticas de polidez que quiser, para tornar mais clara aos outros a retidão de seus propósitos e intenções. Seja justo que a vida lhe será justa.

Comentários

  1. Muito bom seu estilo de escrita... Parabens...
    Espero ver novos posts...

    André Bassoli Napoleão - NI

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