Troféu Pai Mei

Estive relendo a história do pesto, relembrando o trabalhão que dá para picar fininha a hortelã, e comecei a me lembrar de outras tarefas difíceis com as quais a gente se depara em algumas receitas. Tarefas que exigem força, técnica e cuidado. Descascar a abóbora japonesa, que comentei em uma postagem anterior, é um bom exemplo disso.

Algumas vezes entro em alguma roubada quando vou experimentar algum ingrediente novo. Aconteceu com o pinhão. Só comprei porque vi um monte de gente na Internet dizendo que era fácil descascar: “é só cortar a pontinha antes”. Talvez eu não tenha entendido direito as instruções mas, de qualquer forma, cortar a pontinha de um por um dos pinhões já deu trabalho demais. Fortaleci os dedos com toda essa descascagem, mas fiquei com uma lista preta por debaixo das unhas por alguns dias. Aconteceu também com os ovos de codorna. Cozinhá-los foi fácil, descascá-los um por um é que foi o problema. Destrocei metade dos ovinhos e enchi a cozinha de pequenos fragmentos de casca fina. Foram-se os ovos, mas ficaram mais hábeis os dedos.

Nessas situações, lembro-me das árduas tarefas que o grande mestre Pai Mei impunha aos seus discípulos para prepará-los para os rigores do kung fu. Tarefas que desafiavam os limites da mente, corpo e racionalidade de qualquer cidadão, como subir escadas carregando baldes cheios de água, socar grossas tábuas de carvalho até quebrá-las ou se equilibrar por horas em posições impossíveis no alto de um poste. Com cascas para todos os lados e muito pinhão ainda para descascar, chego até a ver o grande mestre sentado em posição zen em cima de meu forno de micro-ondas, cofiando sua longa barba branca e rindo de minhas desajeitadas tentativas de êxito.

Em nome da honra, terminar a tarefa, eu termino. Mas me permito então conceder a tal ingrediente o troféu Pai Mei, criado por mim em homenagem à didática do absurdo, e nunca mais chego perto dele no supermercado. Que Buda me perdoe por não agradecer devidamente pelo aperfeiçoamento pessoal que essas experiências difíceis me trouxeram, mas fazer o quê? Tenho de trabalhar para pagar as contas.


    Mas não desanime, veja: 9 motivos para curtir a cozinha